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O acordo de não persecução penal como estratégia da defesa nos crimes econômicos

O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL COMO ESTRATÉGIA DA DEFESA NOS CRIMES ECONÔMICOS

 THE NON-PROSECUTION AGREEMENT AS A DEFENSE STRATEGY IN ECONOMIC CRIMES

 

Autor: Wilian Gomes dos Anjos1

Orientador: Prof. Rafael Junior Soares2

RESUMO

 

Com a alteração trazida pela lei 13.964/2019, o então conhecido como “Pacote Anticrime”, incluiu no Código de Processo Penal o artigo 28-A, que estabelece possibilidades de se realizar acordo de não persecução penal para acusados primários, desde que o suposto crime não envolva violência e tenha pena mínima inferior a 04 (quatro) anos. Entretanto, Parte-se da problemática que o acordo de não persecução penal rompe princípios basilares do direito processual penal, visto que a apuração da forma convencional é mitigada. Sendo assim, é evidente o rompimento das garantias processuais, ainda que por outro lado o acordo sendo utilizado de forma “estratégica” traz benefícios para o acusado analisando que se encerra a persecução penal, evitando desgastes emocionais e financeiros em demandas que já tenha um “fim esperado”. Partindo da premissa que o processo penal é um jogo, segundo o qual assim é tratado por Alexandre Morais da Rosa em uma análise acerca da “Teoria dos Jogos e Processo Penal”, enxerga-se a possibilidade do acordo como instrumento mais benéfico ao acusado, a fim de evitar que o procedimento penal traga prejuízos maiores do que o tipo penal prevê. Nessa ideia, no cenário atual, é prudente encarar o acordo como uma “oportunidade” menos invasiva, tanto é que vem sendo realizado com frequência, já que em uma rápida pesquisa sobre a atuação do Ministério Público Federal, tem-se que o estado do Paraná lidera o ranking de aceitação da proposta do acordo de não persecução penal nos mais variados tipos de crimes, sendo os crimes de contrabando e descaminho com maior número da proposta. Nesta perspectiva, utilizando-se do método dedutivo, amparando-se em pesquisas doutrinárias e jurisprudencial, é que se procurará demonstrar que, considerando que o acordo de não persecução penal deve-se pautar em aceitação consensual entre as partes; acusação e defesa, considera-se que, agindo a defesa de forma estratégica e negociadora, o instrumento pode ser utilizado com a finalidade de beneficiar o acusado em crimes econômicos.

 

Palavras-chave: Justiça Negocial; Acordo de Não Persecução Penal; Barganha.

 

ABSTRACT

 

With the amendment brought by law 13.964/2019, then known as the “Anticrime Package”, included in the Code of Criminal Procedure Article 28-A, which establishes possibilities of reaching a non-criminal prosecution agreement for primary accused, if the alleged crime does not involve violence and has a minimum sentence of less than 04 (four) years. However, it is based on the problem that the non-criminal prosecution agreement breaks basic principles of criminal procedural law, since investigation done in the conventional way is mitigated. Therefore, the breach of procedural guarantees is evident, although on the other hand, the agreement being used in a “strategic” way brings benefits to the accused, analyzing that the criminal prosecution ends, avoiding emotional and financial stress on demands that already had an “expected end”. Starting from the premise that the criminal process is a game, as it is treated by Alexandre Morais da Rosa in an analysis of the “Game Theory and Criminal Procedure”, the possibility of the agreement is seen as the most beneficial instrument for the accused, in order to prevent the penal procedure from causing greater losses than the penal type provides. In this idea, in the current scenario, it is prudent to view the agreement as a less invasive “opportunity”, so much so that it has been carried out frequently, since in a quick research on the performance of the Public Prosecutor's Office, the state of Paraná leads the acceptance ranking of the proposal for the noncriminal prosecution agreement in the most varied types of crimes, with smuggling and embezzlement crimes having the highest number of proposals. In this perspective, using the deductive method, based on doctrinal and jurisprudential research, it will be sought to demonstrate that, considering that the non-criminal prosecution agreement must be based on consensual acceptance between the parties; prosecution and defense, it is considered that, acting in a strategic and negotiating defense, the instrument can be used for the purpose of benefiting the accused in economic crimes.

 

Keywords: Plea bargaining; Non-Prosecution Agreement; Bargain

 

1. INTRODUÇÃO

 

Com o passar dos anos o entendimento de aplicação de sanções vem sendo repensado. Fato este que se dá ante à evolução da mentalidade humana maquinando os mais variados reflexos, tanto na humanização, como na própria satisfação do cumprimento da penalidade. Não é novidade que, com essa nova abordagem, as persecuções penais vêm sendo flexibilizadas, passando a fazer parte do sistema de justiça negociações prévias. Atualmente, é possível em um acordo estabelecer condições em que a parte acusada terá obrigações e caso as cumpra, não precisará trilhar todos os procedimentos estabelecidos no código processual penal. 

Nessa lógica, o Brasil vem sendo influenciado por países estrangeiros como Itália, Alemanha e, principalmente, Estados Unidos, que costumeiramente utilizam-se de mecanismos negociais em seus sistemas de justiça Criminal. Assim, por cerca de 25 (vinte e cinco) anos vem se inserindo no ordenamento jurídico brasileiro possibilidades de negociações.

Não a toa que desde 1995, com o advento da Lei de Juizados Especiais, criouse figuras como a composição civil de danos, transação penal e suspensão condicional do processo que, em suma, nada mais são que modalidades de barganha – ou negociação – do processo, onde se atribuem condições propostas pelo Ministério Público a serem cumpridas pelo acusado para que, em contrapartida, obtenha a extinção de sua punibilidade de forma simplificada.

De igual modo, recentemente, através da Lei nº 13.964/2019, conhecida como Pacote Anticrime, inseriu-se na legislação processual penal a possibilidade da realização de acordo entre o Ministério Público e o acusado, acompanhado de defesa técnica, objetivando a não persecução penal, mediante o cumprimento de requisitos consensuais entre ambas as partes. Tal prática recebeu o nome de Acordo de Não Persecução Penal, estampada no artigo 28-A do Código de Processo Penal. 

Diante disso, cada vez mais a barganha é inserida no processo penal, vislumbrando-se a necessidade de a defesa entender o processo penal como um jogo, pensando e agindo estrategicamente objetivando reduzir os prejuízos para o seu representado.

Para tanto, amparando-se nos ensinamentos de Alexandre Morais da Rosa, inicialmente discorrer-se-á acerca do processo penal sob a ótica da Teoria dos Jogos, demonstrando a importância de a defesa entender-se como jogadora na flexibilização das regras e agir com a finalidade de, embora metaforicamente, ganhar a partida, planejando suas ações e a dos demais jogadores. 

Derradeiramente, será tratado sobre o Acordo de Não Persecução Penal utilizado especificamente como maneira estratégica na defesa de crimes econômicos para reduzir prejuízos ao acusado, uma vez que, hodiernamente, é impossível tirar conclusões acerca de possíveis rumos aos quais o processo penal caminhará, podendo-se presumir, apenas com acesso “às cartas do jogo”, quais serão as táticas do jogador adversário e a possível decisão do julgador, já que em razão da tecnologia, é perfeitamente possível presumir o possível resultado de pretensa ação. 

Diante disso, tem-se o ANPP como um manejo estratégico que, após negociação, pode ser mais benéfico ao acusado do que a persecução penal convencional, considerando que dela, inclusive, advém muitos riscos e desgastes aos envolvidos, principalmente em se tratando de crimes econômicos, que costumeiramente estão sob os holofotes midiáticos.

 

2. PROCESSO PENAL SOB A ÓTICA DA TEORIA DOS JOGOS

Ao longo dos anos, houve diversas evoluções no sistema de justiça, todas elas com o objetivo de organizar a sociedade e solucionar seus conflitos, além de intervir nas relações humanas a fim de que direitos sociais e fundamentais sejam garantidos.

Extrai-se da Teoria Geral do Processo que o objetivo da justiça “é exatamente o de harmonizar as relações sociais intersubjetivas, a fim de ensejar a máxima realização dos valores humanos com o mínimo de sacrifício e desgaste”.[1] Complementa Ada Pellegrini Grinover que:

E hoje, prevalecendo as ideias do Estado Social, em que o estado reconhece a função fundamental de promover a plena realização dos valores humanos, isso deve, servir, de um lado, para pôr em destaque a função jurisdicional pacificadora como fato de eliminação dos conflitos que afligem pessoas e lhes trazem angústia; de um outro, para advertir os encarregados do sistema, quanto à necessidade de fazer do processo um meio efetivo para a realização da justiça.4   

 

Observa-se que a citação fora exarada com enfoque no processo como um todo, contudo, quando abarca-se especificamente no processo penal, tem-se que o pleito é cercado de garantias, observando-se que o procedimento acarretará sanções ao acusado, conforme leciona Aury Lopes Junior[1]

Existe uma intima relação e interação entre a história das penas e o nascimento do processo penal, na medida que o processo penal é um caminho necessário para alcançar-se a pena, e principalmente, um caminho que condiciona o exercício do poder de punir à estrita observância de uma série de regras que compõe o devido processo penal (ou, se preferirem, são as regras do jogo, se pensarmos no célebre trabalho processo come giuco de CALAMANDREI).

[1] GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 24 4 Op. cit. p. 31 [1] LOPES JR, Aury. Direito processual penal. 15.ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p.33

 

Percebe-se que há uma certa diferença em assimilar processo quando se fala de processo penal, tendo em vista que o procedimento penal leva a sanções rigorosas, como a restrição de liberdade do indivíduo, representando um dos maiores dramas para o acusado, exigindo-se “um sacrifício ingente dos direitos da personalidade, espoliando o indivíduo da intimidade e, frequentemente, da dignidade mesma” [1].

 

Certo é que o processo penal é cercado de regras e garantias, pois regula os meios e modos aos quais poderão culminar em restrição de liberdade de pessoas, porém, não há óbice em pensa-lo de uma maneira inteligente, porquanto “não se trata de garantir unicamente as regras do jogo, mas sim um respeito real e profundo aos valores em jogo, com os que – agora – já não cabe jogar”.[2]  

Nota-se, portanto, que o processo penal advém de um procedimento que deve ser controlado por garantias, pois representa dores a pessoa que é acusada. Por outro lado, analisando-o de forma ampla, enxerga-se a possibilidade de evoluir o procedimento, realizando acordos e/ou simplificando a ação, sem deixar de lado as garantias necessárias inerentes ao próprio acusado. Em outras palavras, seria a aplicação do processo penal de forma útil, garantidora e com diminuição de danos. 

Portanto, avaliando o cenário atual é prudente encarar o procedimento penal de forma perspicaz e calculada, pois, conforme denota Guilherme Madeira Dezem: 

É preciso que seja superada esta visão extremada e apaixonada do direito de se olhar o fenômeno jurídico unicamente por um ângulo, como se fossem torcidas de times rivais de futebol. O fenômeno jurídico, lida acima de tudo, com pessoas que merecem do operador visão mais ampla de mundo do que a míope lente de apenas um dos vetores. Só assim o Direito conseguirá cumprir efetivamente sua função de resolução dos conflitos e de distribuição da justiça.[1]  

Entretanto, é imperioso frisar que não se diz que o processo não deve ter garantias e princípios respeitados, mas sim, se afirmar que o manejo do processo deve ser de forma estratégica e analítica. 

A Lei 13.964/2019 trouxe alterações para o Código de Processo Penal, sendo que uma delas incluiu o artigo 28-A, que regula procedimentos para a aplicação do

acordo de não persecução penal, tema que será abordado ao longo da pesquisa, contudo, é impossível que se ignore que a introdução do acordo de não persecução penal no processo penal traz a possibilidade de uma inovação no código processual penal e a legalidade de manejo do instituto.

 

[1] GRINOVER, Ada Pellegrini. As condições da ação penal. São Paulo: José Bushatsky, 1977 p. 127. [1] LOPES JR, Aury. Direito processual penal. 15.ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 58. [1] DEZEM, Guilherme Madeira. Curso de processo penal; coordenadores Darlan Barroso, Marco Antonio Araujo Junior. 3.ed. rev. Atual e ampl..- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 62.

 

O ANPP, assim como outras modalidades de negociação – o que será tratado em momento oportuno, tais como a composição civil, transação penal, suspensão condicional do processo, acordo de leniência e colaboração premiada – traz um novo

 

Direito Penal, que vem sendo denominado como Justiça Penal Negociada. Que como fora dito algures, abre a possibilidade de se negociar a proposta do órgão acusador no processo, imperando o que for aceitável e conveniente. 

Assim considerando, caberá à defesa ponderar pelas condições apresentadas, a fim de concluir se elas são, de fato, benéficas ao acusado quando comparadas a persecução penal comum.  

Daí é que se espera que a defesa utilize de estratégias, conforme doutrina Alexandre Morais da Rosa, entende-se o processo como um jogo e, por isso adverte que é “da interação estratégica entre jogadores/julgadores que o resultado advirá, sempre sujeita ao contexto (tempo e espacial) da decisão”.[1]

Portanto, levando em consideração que o que se espera de um processo penal muitas vezes é um resultado desfavorável ao acusado, posição geralmente dominante pelo órgão acusador, cabe a defesa estar preparada para  otimizar o resultado opositor, até pelo fato que: “estratégia pressupõe um curso de ação munido de diversas táticas, já que o comportamento dos jogadores pode influenciar significativamente no resultado do processo e no próprio estabelecimento das regras”[2] 

Destarte, frisa-se que o jogo processual vem sofrendo inúmeros ataques no tocante ao desrespeito constitucional. Diuturnamente é preciso reafirmar o óbvio e lutar para garantir com que as regras sejam respeitas, que o direito seja observado. 

O clamor social tem feito parte do sistema de justiça, juízes constrangem a aplicação da lei como forma de resposta midiática, os procedimentos penais têm-se

gerido de formas imprevisíveis, uma vez que deste clamor “não raramente surgem anseios punitivos”.[1]

 

ROSA, Alexandre Morais da. Teoria dos jogos e processo penal: a short introduction – 3. ed. Ampl. e ver. Florianópolis: Emais, 2018, p. 41

[1] Op. cit. p. 56-57

 

Diante disso, é importante que a defesa técnica avalie a possibilidade da utilização de táticas, evitando-se que o procedimento penal traga prejuízos maiores ao acusado do que o próprio tipo penal prevê. 

A fim de evitar tais prejuízos, estará a defesa a agir estrategicamente que,  conforme denota Rosa, significa “o caminho escolhido pelo jogador para alcançar seus

 

objetivos, levando em consideração a avaliação do cenário e as previsões que faz sobre os movimentos dos outros jogadores e do julgador” [2].

É importante ter abertura para a discussão da barganha no processo penal pois, utilizando-se da negociação, a satisfação da ação conforme os anseios da parte acusada poderão ser mais bem atendidos. 

Diante disso, é preciso dialogar com ponderação de riscos sobre os efeitos do prosseguimento da ação. A decisão da defesa junto do acusado tem várias possibilidades. O ponto de partida para a análise sobre o benefício de se negociar um acordo de não persecução deve ser “vinculado ao cálculo futuro dos estragos (pena, regime, familiares, empresas fechadas, reputação, etc.), isso porque é sempre na antecipação que se negocia”.[3]

Assim, mais uma vez tem-se a possibilidade do acordo de não persecução penal como elenca o artigo 28 A do Código de Processo Penal, como uma das possibilidades estratégicas da defesa para avançar no jogo, o qual será tratado no tópico seguinte. 

 

[1] MENDES, Caio Cesar Tamioto. A restauração da infâmia. 1 ed. São Paulo: Tirant Lo Blanch, 2020, p. 117. [1] ROSA, Op. cit. p. 99. [1] Op cit. p. 77

 

3. O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL E A JUSTIÇA CRIMINAL NEGOCIADA.

 

Através da lei nº 13.964, apostou o legislador em aperfeiçoar as normas penais. A discussão intensa foi batizada de “pacote anticrime”, que trouxe alterações no código penal, processual penal e execução penal das mais diversas percepções.

Dentre as mudanças, incluiu-se no Código de Processo Penal o já citado artigo 28-A, dispondo a possibilidade da realização de Acordo de Não Persecução Penal que, segundo Rogério Sanches Cunha, trata-se de um:

Ajuste obrigacional celebrado entre o órgão de acusação e o investigado (assistido por advogado), devidamente homologado pelo juiz, no qual o indigitado assume sua responsabilidade, aceitando cumprir, desde logo, condições menos severas do que a sanção penal aplicável ao fato a ele imputado.[1]

Em outras palavras, Rafael Junior Soares e Beatriz Daguer frisam que o Acordo de Não Persecução Penal:

Passa a ser norma cogente, instituindo-se no ordenamento jurídico mais um benefício ao investigado que terá a possibilidade de aceitação e, assim, cumprimento de condições fixadas em lei, como contrapartida pelo não oferecimento da peça acusatória, com o objetivo de, ao final, obter a extinção da punibilidade, sem a geração de qualquer antecedente criminal.[1]

 

[1] CUNHA, Rogerio Sanches. Pacote Anticrime – Lei 13.964/2019: Comentários às Alterações no CPP, CPP e LEP. Salvador: ed. Juspodvm, 2020, Pag. 127. [1] SOARES, Rafael Junior; DAGUER, Beatriz. Acordo de não persecução penal e a reparação do dano nos crimes tributários. 2020. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-mai-12/daguersoares-acordo-nao-persecucao-penal> Acesso em 27 out. 2020.

 

Como condição para a aplicação do acordo, o crime não poderá ter sido cometido com violência ou grave ameaça, e a pena mínima deverá ser inferior a 04 (quatro) anos.[1] Cumprido tais requisitos, poderá o Ministério Público propor o presente, mediante condições, quais sejam: a) reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;[2] b) renúncia de bens e direitos produtos do crime;18 c) prestação de serviços à comunidade por período correspondente de 1/3 a 2/3 da pena mínima do crime;19 d) pagamento de prestação pecuniária;20 e) outra condição a ser estipulada pelo MP, desde que proporcional e compatível com a infração cometida.[3] Importante frisar que as condições acima apresentadas poderão ser aplicadas de forma cumulativa.Em contrapartida, não poderá ser proposto o ANPP quando i) for cabível transação penal;[4] ii) o investigado não for primário ou gozar de maus antecedentes;[5] iii) ter sido o agente beneficiado pelo ANPP, Transação Penal ou Suspensão Condicional do Processo, nos últimos 05 (cinco) anos;24 e iv) o crime ter sido praticado no âmbito da violência doméstica.25 Anteriormente a vigência desta lei, o Conselho Nacional do Ministério Público na resolução 181 de 2017 havia tentando incluir o acordo de não persecução penal [1] Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:[2] I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo; 18 II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;[3] V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.[4] I - se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos da lei;[5] II - se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas; 24 III - ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo; 25 IV - nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor. 26 Disponível em:

<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?s eqobjetoincidente=5843708> Acesso em 20 out. 2020.

Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:

[1] I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo; 18 II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;

[1] V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.

[1] I - se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos da lei;

[1] II - se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas; 24 III - ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo; 25 IV - nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor. 26 Disponível em:

<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?s eqobjetoincidente=5843708> Acesso em 20 out. 2020.

como uma das possibilidades de negociação, porém, fora rechaçado ante à inconstitucionalidade, uma vez que não havia legislação que tratava especificamente sobre o tema. 

Com a vigência do pacote anticrime, passou a ser possível a realização do ANPP de forma legal, desde que esteja amparado nas possibilidades estabelecidas em lei.

Ainda, aguardando julgamento no Supremo Tribunal Federal tem-se ação direta de inconstitucionalidade (ADI/6304)26, proposta pela Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (ABRACRIM), que discute a constitucionalidade da Lei 13.964/2019 em vários pontos, inclusive quanto ao artigo 28-A, ora aqui discutido. 

 

19 III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); 20 IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito;

Pois bem, sem adentrar na discussão aprofundada da legalidade ou não do acordo, tendo em vista que ainda não houve julgamento da ação de inconstitucionalidade e já sabendo que o tema diverge das mais variadas opiniões, o proposito deste trabalho limita-se em vislumbrar a legislação vigente como possibilidade estratégica de defesa na esfera criminal. 

Sendo assim, de forma sucinta, embora não seja conveniente adentrar em seus méritos, a legislação brasileira prevê outras formas de negociação na denominada como Justiça Criminal Negociada, a exemplo das previstas na Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/1995), a saber: composição civil de danos (arts. 72 a 74), transação penal (art. 76) e suspensão condicional do processo (art. 89). Exemplificase também como forma de Justiça Criminal Negociada o cordo de leniência (Lei 12.846/2013) e a colaboração premiada (Lei 12.850/13).

Em que pese diferentes entre si, as quatro modalidades de barganha a ser realizada na Justiça Criminal Negociada “compartilham de um elemento fundamental comum: a concordância do réu em aceitar a acusação e, assim, consentir com a realização das obrigações acordadas”[1]

 

[1] VASCONSELLOS, Vinícius Gomes de. Barganha e justiça negocial: análise das tendências de expansão dos espaços de consenso no processo penal brasileiro. 1º ed. São Paulo: IBCCRIM, 2015, p. 101.  28 Op cit. p. 55

 

Importante trazer à tona o conceito de justiça consensual ou negocial tratado por Vinicius Gomes de Vasconcellos, sendo no mesmo sentido a proposta deste trabalho:

Portanto, pensa-se que a justiça consensual (ou negocial) é o modelo que se pauta pela aceitação (consenso) de ambas as partes – acusação e defesa – a um acordo de colaboração processual com o afastamento do réu de sua posição de resistência, em regra impondo encerramento antecipado, abreviação, supressão integral ou de alguma fase do processo, fundamentalmente com o objetivo de facilitar a imposição de uma sanção penal com algum percentual de redução, o que caracteriza o benefício ao imputado em razão da renúncia ao devido transcorrer do processo penal com todas as garantias a ele inerente.28 

A discussão da justiça consensual é debatida como ferramenta de avanço nos sistemas de justiças mundiais. 

Entende-se que o acordo de não persecução penal goza de elevado grau de importância para o sistema penal, pois traz inovação ao processo como um todo, podendo o indiciado ou acusado negociar os termos da acusação que está sofrendo,

desde que preenchidos os requisitos legais e aceitos os termos propostos pelo órgão acusador, após negociação com a defesa. 

Além do mais, oportuno salientar que o ANPP não representa, de forma alguma, uma prática que aumentará a criminalidade, sendo que tal afirmação chega a ser utópica. A uma porque, considerado os requisitos para sua aplicação, nota-se que a própria reincidência se apresenta como um fator impeditivo, ainda que o acusado tenha se enquadrado nos demais requisitos. A duas porque, pelo contrário, o acordo de não persecução penal representa uma modalidade de justiça restaurativa porquanto se faz suficiente para reprovação e prevenção do delito praticado, dispensando por vezes a necessidade de uma pena privativa de liberdade.  

Ante o preenchimento dos requisitos necessários, evita-se com o ANPP um encarceramento desnecessário, que se sabe ser cada vez mais alarmante no Brasil. Outro fator a se ponderar é sobre a necessidade de a pena mínima ser inferior à 04 (quatro) anos para sua formalização. Em apertada análise aos tipos penais previstos no Código Penal, enxerga-se que seriam poucos os crimes, salvo exceções, que, considerada a dosimetria da pena, levaria o condenado a cumprir sua pena em um regime fechado. 

Isto é, tratando-se de condutas penais menos lesivas, é importante a proposição do ANPP para que a Jurisdição se preocupe em penalizar condutas mais complexas e gravosas, “sem deixar de repreender e prevenir os delitos de pequena e média gravidade, inclusive com respostas mais rápidas à sociedade”, bem como afirma o Procurador da República Lucas Maron.[1] Desta forma, o ANPP se apresenta como uma condição favorável tanto ao acusado – como será tratado adiante – quanto ao próprio exercício da Jurisdição. 

Derradeiramente, frisa-se que em breve cartilha divulgada pelo Ministério Público Federal, nota-se que o estado do Paraná, a exemplo, lidera o ranking de aceitação da proposta do acordo de não persecução penal com, até a primeira quinzena do mês de setembro deste ano, cerca de 1288 acordos firmados nos mais variados tipos de crimes. Segundo o MPF, a formalização do ANPP até aqui se deu com incidência majoritária em alguns crimes, sendo eles “contrabando ou descaminho

(1.165), estelionato majorado (802), uso de documento falso (469), moeda falsa (285) e crimes contra o meio ambiente e o patrimônio genético (200)”.[2]

 Isto é, considerando que o acordo de não persecução penal é realidade, cabe, então, a defesa utiliza-lo a seu favor, com a finalidade de reduzir ao máximo os prejuízos em desfavor de seu cliente, sejam eles quais forem. 

[1] Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/mpf-investe-na-justica-consensual-e-ultrapassa-5mil-acordos-de-nao-persecucao-penal> Acesso em 29 out. 2020. [2] 30 Op. cit. 

 

4. APLICAÇÃO DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL COMO ESTRATÉGIA DE DEFESA EM CRIMES ECONÔMICOS 

 

Inicialmente, cumpre-nos tratar acerca do que consiste crimes econômicos, já que a proposta da presente pesquisa é abordar a possibilidade da utilização do acordo de não persecução penal como estratégia de defesa especificamente em situações que versarem sobre crimes econômicos. 

Basicamente, tratar sobre direito penal econômico significa tutelar condutas contra a ordem econômica de um Estado, vedando tais atitudes. Sobre ordem econômica, Luiz Régis Prado: 

O conceito de ordem econômica, de natureza ambígua, como objeto da tutela jurídica, costuma ser expresso de forma estrita e ampla. Na primeira, entende-se por ordem econômica a regulação jurídica da intervenção do Estado na economia; na segunda, mais abarcante, a ordem econômica é conceituada como a “regulação jurídica da produção, distribuição e consumo de bens e serviços”[1]

 

Por oportuno, importante frisar que os crimes contra a ordem econômica previstos em legislação esparsa no Brasil são os Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei nº 7492/86); Lei de Proteção ao Consumidor (Lei nº 8.078/1990); Crimes Contra a Ordem Tributária e de Consumo (Lei nº 8.137/1990); Lei da Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92); Lei da Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/98).

[1] PRADO, Luiz Régis. Direito Penal Econômico. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 35. 

Elencado, embora com brevidade, os crimes contra a ordem econômica, passase ao objetivo do presente trabalho. Como será tratado adiante, toda a explanação faz-se necessária tão somente para que possamos ter pautada todas as opções que o procedimento penal trará e dentre elas a opção do acordo de não persecução penal, com base na Teoria dos Jogos.

A teoria se faz importante pois aborda a atuação penal de forma ampla, possibilitando a análise do processo como um todo “jogo”. Como já mencionado, realizando a defesa técnica os manejos necessários, o procedimento deve trazer, como o esperado benefícios. A partir daí, automaticamente deverá identificar-se como a parte como jogadora, uma vez que se dispôs a ser atuante do jogo processual. 

Em razão disso, como em todo bom jogo, é necessário que que as peças sejam movimentadas com cautela, a defesa deve avaliar as circunstâncias do crime, e até

da investigação que ocorreu em face do acusado, a fim de ao menos tentar presumir qual fim – no sentido de: argumentos de ataque do órgão acusador e possível decisão do julgador – terá se uma ação penal for iniciada. Assim agindo, a defesa estará utilizando-se da Teoria dos Jogos para: 

Compreender o comportamento dos jogadores (internos e externos), capazes de, a partir deles, indicar as regras do jogo, mapeando as recompensas e estabelecendo as táticas e estratégias (dominantes e dominadas) em face dos jogadores processuais reais.[1]

Essa atitude fará com que a defesa consiga fazer uma leitura de jogo e dos jogadores que compõe aquele processo penal, podendo presumir, através de estudos aprofundados, qual o posicionamento do julgador quanto o crime em tese cometido pelo seu cliente, bem como o posicionamento das cortes superiores sobre determinado assunto e etc. 

[1] ROSA, Op. cit. p. 33.

Ora, assim se argumenta pois não é novidade que ao ter contato com o processo e as provas nele produzidas, a defesa tem a capacidade técnica de planejar as possibilidades acerca de qual “fim” aquele processo terá. Inclusive, se for um caso midiático, há também a possibilidade de se presumir qual será a atuação da mídia em desfavor do acusado – já que ela “cria pré-julgamentos na sociedade sem que saiba, de fato, se um indivíduo é culpado ou não”[2]. Também é possível auferir a partir das provas ou elementos de informação constante nos autos, se tais são concretas o suficiente para levar a um decreto condenatório, sendo possível de imaginar por qual caminho provável a persecução penal se encaminhará. 

Por essas razões, a atuação com base na teoria dos jogos concede aos operadores do direito artimanhas com o objetivo de movimentar o processo em favor do acusado, demonstrando-se que é possível virar o jogo de forma racional, pois o resultado dependerá das atuações dentro das regras do jogo.34 

Em contrapartida, enxerga-se que muitas das vezes se vê operadores do direito agarrados na legalidade e princípios, esquecendo-se da humanização do sistema penal e, principalmente, que a manutenção das garantias constitucionais do cliente ea satisfação dos seus interesses, objetivando reduzir seus prejuízos, sejam eles quais forem.

Aliás, considerando que o objetivo da presente pesquisa é tratar especificamente acerca dos delitos econômicos, é oportuno que se considere que costumeiramente nestes tipos penais há possibilidades de, para além da ação penal, instaurar-se em desfavor do acusado ações cível e administrativa, a depender do tipo penal que ele cometera. 

Por isso, deverá a defesa avaliar, metaforicamente, quais são as cartas que têm na mão, quais já foram apresentadas pelo seu adversário (órgão acusador) e quais, porventura, o MP pode ainda ter “na manga”, a fim de que pondere sobre os riscos de uma eventual condenação e, mais, de eventuais ações cível e administrativa em desfavor do acusado, que podem ser vedadas no acordo como condição para sua formalização, resultando-se da barganha utilizada pela defesa.

Desta forma, antecipando, ainda que com meras expectativas, o comportamento dos outros jogadores e os possíveis resultados da partida, a defesa estará descrevendo o jogo – o que pode fazer a seu favor – participando de sua formação, deixando de ser mera espectadora.[1]

Diante disso, caberá a ela, após avaliadas as possibilidades que ao seu cliente pode ocorrer caso inicie-se uma persecução penal, ponderar pelo aceite do acordo de não persecução penal como estratégia mais benéfica ao acusado quando comparado ao fato de que a própria persecução penal, principalmente em se tratando de crimes econômicos, que geralmente estão sob os holofotes midiáticos, já lhe causará um grande e irreparável dano, qual seja um dano à sua imagem, por exemplo. 

Contudo, analisa-se possível aceitação do ANPP como estratégia de defesa apenas após realizada uma efetiva negociação entre o acusado, assistido pela sua defesa, com o Ministério Público, e não se restringindo somente em aceitar de prontidão as condições pelo órgão acusador impostas. 

Importante pontuar que o Ministério Público assim como a defesa são partes do processo, cada um na especificidade da sua atuação. 

[1] Op. cit. p. 38.

ARAÚJO, Romulo Aguiar; GAL, Lucas Mikaly. A espetacularização do processo penal e os embates sobre imparcialidade judicial. 2020. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-out27/araujo-gal-espetacularizacao-processo-penal> Acesso em 27 out. 2020. 34 ROSA, op. cit. p. 60.

Tem-se discutido por aplicadores do Direito o acordo de não persecução penal como instrumento não eficaz para negociação, pois se tem colocado o órgão acusador como o a voz final, e não como agente negociador. 

A lei traz estampada que se trata de acordo, a literalidade da palavra calha que é resultado da comunhão de ideias, de sentimentos; entendimento recíproco; concórdia, harmonia. Por essa lógica, apresentada a proposta, tem-se que as partes devem negociar, no sentido literal da palavra. 

Ainda que seja um pouco assustador trazer a palavra negociação para o direito penal, deve-se assim manipular o instituto do ANPP. Ouso afirmar que as partes devem entrar em debate e discutir os termos até “fecharem negócio”. 

Um grande exemplo de negociação entre acusação e acusado ocorre no denominado como plea bargaining, que nada mais é que uma prática advinda do sistema penal americano que permite a formalização de acordos objetivando negociar condições acerca da pena (em se tratando da colaboração premiada, por exemplo) ou da persecução ou não penal, como tratado nesta pesquisa. Frisa-se Lopes Jr que, justamente por tratar-se de uma negociação, ela “precisa ser adotada com prudência, critérios e limites de pena a ser negociada. Não pode ser um modelo completamente aberto como o proposto”.[1]

Por outro lado, Fábio da Silva Brandalise assim discorre acerca do play bargaining:

Por ele, há uma divisão na compreensão entre perdas e ganhos, na medida que o acusado tende a receber uma pena menor do que aquela que teria caso houvesse um julgamento aos moldes anteriores, enquanto que a acusação perde certa quantidade de pena, mas ganha a certeza da condenação, que também se reflete em otimização dos recursos estatais destinados à persecução criminal (da mesma forma que há uma redução de custos a serem suportados pelo acusado na promoção de sua defesa, além da melhor preservação da imagem e do tempo consumido). Também ele demonstra uma preocupação entre juízes, prosecutors e advogados com a administração da justiça, na medida em que auxilia no rápido processamento e conclusão da carga de processos que assola o sistema. Aqui, o ponto central da punição passa pelo prosecutor, que define as acusações, o estabelecimento da culpa e a quantidade a ser imposta na sentença.[2]

Nota-se que Brandalise discorre no sentido de que o órgão acusador é quem, tão somente, define as condições do acordo, posição essa que não concordamos, pois defendemos, em harmonia com Lopes Jr, que deve haver plena e efetiva negociação entre o órgão acusador e a defesa pois estarão sendo “posto em pauta” garantias fundamentais ao acusado, como a necessidade de valer-se de sua presunção de inocência, tendo como requisito fundamental para a formalização do ANPP a confissão do crime. 

 

[1] LOPES JR, Aury. Adoção do plea bargaining no projeto "anticrime": remédio ou veneno? 2020. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2019-fev-22/limite-penal-adocao-plea-bargaining-projetoanticrimeremedio-ou-veneno> Acesso em 28 out. 2020.

[2] BRANDALISE, Rodrigo da Silva. Justiça Penal Negociada. Curitiba: Juruá, 2016, p. 66.

Aliás, quanto à necessidade de confissão do crime, apenas frisa-se que ela deve ser formal, “visto que o ato de confessar do investigado/acusado diz respeito à conduta de praxe”[1] e necessária para a formalização do ANPP, não podendo o Ministério Público utiliza-la em desfavor do acusado para fins de eventual ação civil ou administrativa, costumeiramente vivenciadas em se tratando de crimes econômicos.  

Ressalta-se que não pode o acusado se ver na obrigatoriedade de aceitar todas as condições impostas pelo Ministério Público como única saída para esquivar-se dos malefícios de uma persecução penal, já que o que aqui se defende é que justamente o aceite do ANPP deva ser mais favorável ao acusado do que a persecução penal. Se não ocorrer, isto é, se houverem grandes chances de absolvição em uma eventual ação penal, entende-se que não faz sentido o acusado aceitar o acordo.

Todavia, é importante salientar que embora tratemos o processo penal sob a luz da Teoria dos Jogos, como já vastamente demonstrado, frisa-se que o Ministério Público, por fiscal da lei que é, não pode deixar sua estratégia ultrapassar seu próprio ofício.

 Concordamos com o magistério de Lênio Streck quando propõe que o Ministério Público deva agir como se um juiz fosse, isto é, com total isenção de propósitos, mantendo-se sua imparcialidade, obrigando-o a trazer aos autos elementos que sejam, inclusive, favoráveis ao acusado, impondo sanção ao agente estatal que assim não o fizer.[2] Neste sentido, frisa-se também que não se pode admitir que a efetivação do ANPP se sobreponha “aos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos que celebram acordos de natureza criminal”.[3]

Daí a necessidade que a defesa seja estratégica em sua barganha a fim de reduzir os prejuízos propostos pelo MP ao acusado visando que ele seja, sob uma ótica de jogador, o mais benéfico possível ao acusado, após, repita-se, o defensor ter refletido e ponderado pelos caminhos que uma persecução penal poderia levar o acusado, dentre eles uma condenação. Além disso, suas garantias constitucionais deverão ser mantidas, porquanto serem inerentes ao acusado. Neste sentido: 

Portanto, como dito, o acordo já é realidade. A perspectiva de justiça negocial envolvendo vítima e acusado, mediante a participação do Ministério Público e defesa, com o enaltecimento de uma solução célere e econômica para determinados conflitos é interessante, sendo imprescindível, tanto aos agentes públicos como aos que no Direito Penal se fazem presentes, supervisionar de forma a preservar a existência – sempre indispensável – de uma defesa técnica mantenedora das garantias fundamentais do acusado.[4] 

Com efeito, reconhece-se que o acordo de não persecução penal pode demonstrar um grande risco à própria jurisdição, na hipótese em que não houver na defesa profissionais atentos para negociar com o órgão acusador, aceitando, silenciosamente, todas as condições impostas pelo Ministério Público, ainda que sejam absurdas. 

Por isso é que se defende certa obrigatoriedade moral da defesa técnica em agir estrategicamente, objetivando que a formalização do ANPP somente seja realizada a partir de exaustiva argumentação entre ela e o órgão acusador, com a finalidade de negociarem por melhores condições possíveis ao acusado. Entende-se desta forma pois o acordo de não persecução penal, como já superado, trata-se de uma negociação, onde há deveres e benefícios, não podendo ser confundido com uma imposição. 

O acordo de não persecução penal é uma realidade dentre a Justiça Criminal Negociada que em muito cresce no Brasil. Assim sendo, cabe a defesa perspicaz – sem, evidentemente, descartar a ética profissional e processual necessária – o suficiente para garantir as melhores condições para aquele sujeito acusado do cometimento de crimes econômicos. Afinal, não há o que se falar em negociação se, dentre as condições cumpridas, não houver benefício àquele que as cumprir. 

 

[1] SOARES, Rafael Junior; DAGUER, Beatriz. A necessidade de confissão para formalizar o acordo de não persecução penal. 2020. Disponível em: <

[2] STRECK, Lênio. Uma proposta séria para fazer a plea bargain a sério! 2019. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2019-fev-21/senso-incomum-proposta-seria-plea-bargain-serio> Acesso em 28 out. 2020.

[3] VIANA, Gabriel Santana Vasco. Plea bargaining à brasileira? O acordo de não persecução penal como uma medida viável de política criminal. Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 18 – n. 54, p. 378 – jul./dez. 2019

[4] SOARES, Rafael Junior; BORRI, Luiz Antonio; BATTINI, Lucas Andrey. Breves considerações acerca do acordo de não persecução penal. Revista do Instituto de Ciências Penais. Belo Horizonte, Volume 5. Maio/2020, p. 229. 

 

5. CONCLUSÃO

 

Com o longo dos anos, enxerga-se no Direito Processual Penal cada vez mais a necessidade de desafogar a máquina pública, a fim de que a Jurisdição seja efetivada através de uma ação penal somente quando houver, de fato, necessidade, dispensando-se as situações em que se tratar de crimes menos complexos e com baixa lesividade ao bem jurídico.

Com isso, há 25 (vinte e cinco) anos vem o legislador criando maneiras para que isso ocorra, trazendo possibilidades de transação penal e suspensão condicional do processo, bem como possibilidade de acordos, tais como o de leniência e os advindos de uma colaboração premiada. Não obstante, com o advento da Lei nº 13.964/2019, novamente agiu legislador neste sentido, criando o instituto do acordo de não persecução penal que nada mais é que uma modalidade de plea bargaining, representando uma Justiça Criminal Negociada que, repita-se, cada vez mais se encontra presente na legislação brasileira.

O acordo de não persecução penal abrange uma grande parcela de crimes, embora haja diversos requisitos para sua propositura e posterior formalização. Contudo, em que pese seja prerrogativa do Ministério Público em oferece-lo, é importante que tome cuidado na dissociação dos próprios sentidos literais das palavras oferecer e impor, não podendo o MP impor condições ao acusado, fazendo com que ele se veja na obrigação de cumpri-las pelo desespero em esquivar-se de uma persecução penal. 

Com isso, torna-se indispensável que o órgão acusador, juntamente com o acusado – este representado por sua defesa técnica – negociem as condições do acordo de não persecução penal, a fim de que, todos juntos, cheguem a um acordo em que seja bom para ambas as partes, principalmente ao acusado, que dele sofrerá obrigações a serem cumpridas. 

Diante disso, visando o melhor interesse do acusado, a defesa técnica, com fulcro na Teoria dos Jogos aplicada ao Processo Penal, amparando-se nos ensinamentos de Alexandre Morais da Rosa, deverá agir estrategicamente de modo a calcular os riscos de uma eventual persecução penal, já que é perfeitamente possível que se presuma por qual caminho uma eventual ação penal fluirá. 

Assim agindo, a defesa conseguirá calcular os prejuízos que seu cliente acusado do cometimento de um crime econômico poderá sofrer em uma eventual sentença condenatória. Ademais, poderá ser calculado também não somente os prejuízos jurídicos – como se já não bastassem, mas os prejuízos que o acusado poderá sofrer em razão de, muito provavelmente, se encontrar sob os holofotes midiáticos, já que geralmente crimes econômicos encontram-se inclusos nas pautas do mercado de comunicação de massa. 

Avaliados os possíveis prejuízos que o acusado poderá sofrer com uma ação penal em seu desfavor, é que o acordo de não persecução penal se apresenta como uma estratégia de defesa para minimiza-los, já que ele deverá ser formalizado após exaustiva barganha – ou negociação – com o Ministério Público, devendo a defesa procurar na negociação efetivar condições que melhor representam seu cliente pois, não sendo o ANPP mais benéfico quando comparado a uma persecução penal, não há o que se falar em sua aceitação, isto considerando-se a Teoria dos Jogos.

Portanto, é necessário que a defesa entenda e aceite o acordo de não persecução penal pois ele é realidade, inclusive encontra-se sendo realizado em muito no país. Diante disso, sendo realidade, cabe a defesa atuar em crimes econômicos no sentido de garantir ao seu cliente, de maneira perspicaz e calculada, os melhores benefícios possíveis, sem que suas garantias constitucionais sejam violadas, sempre quando o acordo de não persecução penal se fizer uma alternativa mais benéfica ao acusado se comparado à persecução penal.